19
de abril de 2004
Antes
de mais nada, parece inquestionável que o realizador austríaco
Fritz Lang assistiu a A besta humana (1938), o filme que o francês
Jean Renoir extraiu do romance do igualmente francês Émile
Zola. O início da narrativa de Lang assemelha-se muito à forma
cinematográfica com que Renoir principia a sua: em Renoir
há um exaustivo travelling-para-a-frente (um plano-seqüência
de cerca de seis minutos) nas vias férreas como se o espectador
estivesse dentro de um trem, no lugar ou ao lado do maquinista;
em Lang tudo é mais fragmentado e menos vertiginoso, porém é inevitável
que o espectador não-desmemoriado associe os dois inícios
de filme.
Ocorre
todavia que Lang é um cineasta tão grande
e pessoal quanto Renoir; daí por que eventuais ganchos
retirados de Renoir se adaptam ao estilo de filmar mais sombrio
e expressionista (contrapondo-se ao naturalismo de Renoir) de
Lang. Desejo humano (Human desire; 1954), apesar de suas origens
literárias, se insere num gênero específico
do cinema, o policial negro, em que Lang rodou um dos mais belos
filmes da história do cinema, M, o vampiro de
Düsseldorf (1931). Ao verter Zola para a tela, Lang toma mais liberdade
do que Renoir, até porque não é francês
como Zola e Renoir; austríaco de nascimento, alemão
por formação cinematográfica, rodando um
melodrama negro para Hollywood, Lang teria de convergir para
personagens e situações um pouco diversas daquelas
do livro: nossos ecos de leituras de Zola se perdem um pouco
diante da visão do frio, austero, cerebral Desejo
humano.
A
grande personagem do filme de Lang é a da mulher, a
habitual “femme fatale” dos filmes do gênero.
Gloria Grahame sabe dar-lhe todos os matizes de provocada inocência
e subterrânea perversidade, elementos capturados com olhar
clínico pela câmara escura de Lang. Enganando todos
os homens em cena (o marido bêbado, o amante que é o
chefe que quer demitir seu marido e o novo amante que é um
colega maquinista do marido), ela é uma vitoriosa, mesmo
que morra esmagada pelas mãos ébrias do esposo
no final. É dela que mais vamos lembrar-nos ao pensar
neste filme algo distanciado mas sempre preciso realizado com
mão de mestre por Fritz Lang.
Por Eron Fagundes
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